Passado e Presente: a imagem invertida do urbano

O mundo nos apresenta essas aparentes contradições: onde a natureza nos deu a mais fácil possibilidade de conforto nós a destruímos.

Por Dante Ribeiro da Fonseca 18/02/2022 - 12:34 hs
Passado e Presente: a imagem invertida do urbano
Mendonza/AR e Porto Velho/RO

Existe no oeste da Argentina uma cidade chamada Mendoza, capital da província de mesmo nome. Fundada em 1561, no ano seguinte foi transferida para o local onde hoje está, fica nas imediações dos Andes. De clima árido, semidesértico, apresenta temperatura média anual de verão de aproximadamente 25°C. Há pouca chuva. A combinação do clima e do solo permitiu a essa província obter um papel de destaque na produção de vinhos e azeites: 70% da produção vinícola Argentina e 5º. lugar no Mundo.


Ocorre que a água consumida nessa região é quase que exclusivamente proveniente do degelo dos Andes. Vivia ali antes dos espanhóis um povo tributário dos incas, os huarpes, que aproveitando a tradição hidráulica incaica criaram um simples e eficiente sistema de irrigação para suas culturas agrícolas.


Quando os espanhóis fundaram a cidade de Mendoza aproveitaram e melhoraram essa forma de drenar a água para conduzi-la aos reservatórios.


Quem hoje anda pelas ruas daquela cidade pode observar a água correr em canais paralelos às calçadas. Esses canais também regam as árvores plantadas há muito tempo para proporcionar sombra, formando abóbadas de frescor em todas as ruas. Esses canais são abertos, mas sua limpeza é impressionante, neles não se vê sequer uma ponta de cigarro, o que denuncia o cuidado do cidadão. É enfim uma cidade totalmente arborizada em meio ao deserto, o que aumenta o conforto dos seus moradores.


A cidade de Porto Velho está situada em plena floresta Amazônica. Surgiu em razão da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, de 1907 a 1912, compondo o cenário urbano ao redor do pátio ferroviário. Banhada pela bacia do rio Madeira, o município nunca teve problemas para a obtenção de água, ao contrário, ultimamente tem tido inúmeros problemas com seu excesso no período das cheias. O clima em Porto Velho é tropical superúmido, caracterizando uma cidade com muito calor. A temperatura anual é em media de 24,6º C. Porém, o ser humano inconscientemente desperdiça tudo aquilo que possui em abundância.


Dada a prodigalidade de nossa natureza, desde o início da cidade nos pusemos a derrubar árvores. Aliás, naquela época a derrubada da mata era considerada sinal de progresso, de vitória da civilização contra a barbárie. Tomem como exemplo uma foto do Dana Merril retratando o desmatamento do espaço que seria o pátio ferroviário da EFMM, todas as árvores foram derrubadas. Vejam nossas praças, inclusive a mais nova, o Parque da Cidade que foi inaugurado como uma praça careca e somente depois plantadas as árvores.


Ao contrário de Mendoza, em Porto Velho a fartura da floresta resultou em uma cidade pouco arborizada. Ocorre que aqui faz mais calor, seja porque há falta de árvores na área urbana, seja porque a temperatura aqui é naturalmente mais alta.


Seja como for, aqui as árvores são mais necessárias. Porto Velho é um lugar tão quente que pessoas que vem de climas mais amenos chegam a passar mal com o calor. Enfim, o mundo nos apresenta essas aparentes contradições: onde a natureza nos deu a mais fácil possibilidade de conforto nós a destruímos. Ao contrário, em outros locais onde esse conforto tem que ser conquistado com muito trabalho nós o valorizamos. Como resultado teremos agora que construir aquilo que foi desperdiçado. Em 2013 a Prefeitura de Porto Velho iniciou um plano de arborização da cidade que tem seguido, mas de forma muito lenta para a urgência de uma cidade que sufoca de calor. Nove anos depois, o que temos?

 

 

 

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